Show sem celular: o que acontece quando telefones são proibidos?

Show sem celular: o que acontece quando telefones são proibidos?

Vivi uma das experiências mais curiosas que já tive como fã de música ao vivo desde a invasão dos smartphones na nossa vida: fui a um show da banda sueca Ghost, onde o uso de celulares era proibido. O show sem celular aconteceu no dia 4 de maio, no Unipol Forum di Assago, em Milão, e faz parte da Skeletour World Tour 2025.

Mas a restrição não era por infringir os direitos autorais da banda. O propósito dessa proibição é o de (re)criar um ambiente de atenção plena.

Para essa turnê, o Ghost fez uma parceria com uma empresa especializada em eventos “phone-free”, que já atua em escolas, tribunais e casas de show. Neste artigo, vou te contar como funciona essa experiência na prática — e por que ela pode transformar a maneira como vivemos a arte ao vivo.

Como funciona um show sem celular?

Logo na entrada do show na arena de Milão, todos os celulares eram lacrados em uma bolsa especial da empresa Yondr, com um fecho magnético semelhante a aqueles usados em lojas de roupas para evitar furtos. Ou seja, o fã continua com o celular nas mãos, mas sem acesso durante o show. A bolsa é bem maleável e leve.

Era possível desbloquear essa bolsa apenas em pontos específicos dentro da arena, e o uso do telefone só era permitido nesses locais. Depois, ele era novamente lacrado até o fim do espetáculo.

Mas, Priscila, e se eu estiver esperando uma ligação importante? Como eu vou saber?

Você pode deixar o seu telefone na função vibra, que ele vai funcionar. A bolsa não elimina o sinal dos telefones. Portanto, assim que ele vibrar, você pode se deslocar até a área de desbloqueio para usar normalmente.

Show sem celular - Ghost

Pagamentos de comida, bebida e merchandise

Vivemos em uma era em que usamos o celular para tudo — inclusive pagamentos. Por isso, a organização enviou um e-mail antes do evento alertando o público para levar cartões físicos caso desejasse comprar comida, bebida ou produtos oficiais da banda.

Nós compramos bebida e merchandise. Correu tudo bem.

No show sem celular, ingresso digital pode?

No show do Ghost em Milão, eram aceitas tanto a versão impressa quanto a digital do ingresso. Para quem estava com o ingresso digital, logo após a verificação, havia uma pessoa da organização anotando, com papel e caneta, a localização do assento — especialmente para quem estava na arquibancada — já que não seria possível abrir o ingresso novamente dentro da arena.

Para desbloquear temporariamente os telefones por emergência ou necessidade pessoal, tinham 3 pontos disponíveis. As localizações foram exibidas nos telões antes do início do show. Depois que a apresentação começou, bastava falar com qualquer funcionário da casa para encontrar o local de desbloqueio.

Um detalhe importante: essa regra já estava clara no momento da compra do ingresso.

Parte prática: filas, organização e logística

Sabendo do protocolo que seria adotado, chegamos na arena cerca de uma hora antes da abertura dos portões. Apesar das longas filas, a entrada foi rápida e fluída.

A bolsa onde o celular era guardado era lacrada na mesma hora da revista, logo após a verificação do ingresso. O material era leve e flexível, como já comentei. Coube facilmente na nossa mochila – e vi algumas pessoas que conseguiram até colocar no bolso da calça.

Na saída, tinham vários funcionários com dispositivos portáteis para destravar as bolsas, o que evitou aglomerações muito demoradas. O processo levou, no máximo, 10 minutos a mais do que seria o habitual — um tempo aceitável, considerando o porte da arena.

Show sem celular - Ghost
Show sem celular - Ghost

Com se virar sem celular em um evento

Sem acesso a mensagens, voltamos aos velhos tempos: encontros combinados com antecedência, pontos de referência marcados e o bom e velho relógio de pulso para ver a hora.

Como comentei, os pontos de desbloqueio estavam indicados nos telões antes do show. Não vi ninguém tentando burlar. Todo mundo parecia ciente de que aquilo fazia parte da proposta do show — e estavam dispostos a vivê-la.

O clima era leve, quase nostálgico. As pessoas estavam mais presentes, conversando, comendo e aproveitando a noite.

A experiência de assistir a um show 100% presente

Sem a tentação de filmar ou fotografar, o público estava entregue ao momento. Em vez de celulares erguidos, víamos pessoas cantando, dançando, reagindo com intensidade à performance do Ghost.

No meu caso, a atenção aos detalhes aumentou. Percebi detalhes da iluminação, da cenografia e da movimentação da banda para além do que já costuma me cativar em qualquer show.

Me senti mais tolerante com o entusiasmo dos outros fãs. Quando alguém se levantava na arquibancada para curtir a música — e não para fazer um vídeo no telefone — a entrega era genuína. Estava bonito de ver. Isso muda a energia.

Sem celular, cada detalhe parecia mais intenso. Como vou a shows de rock desde 1995, parecia uma viagem no tempo, quando a experiência era vivida realmente num só lugar.

O impacto emocional e um público mais engajado sem celular

O Ghost tem um público fiel, que canta todas as músicas com muita paixão. Mas o que me chamou a atenção foi o nível de atenção. As pessoas realmente estavam vibrando juntas. Era um coletivo real.

Mesmo sem ser fã, saí querendo viver isso de novo.

Sem registros do show: perda ou libertação?

Em tempos de dependência digital, não poder registrar o show foi, curiosamente, um alívio. Na ausência do telefone, a atenção redobra, e a memória parece que se fortalece. Estávamos todos, certamente, mais presentes.

Um bom show não precisa de foto e vídeo para ser inesquecível. A intensidade também fica marcada no corpo, toca o coração.

Além disso, especialmente no caso do Ghost, saber que a própria banda produz imagens profissionais da turnê — inclusive entrevistando fãs para vídeos oficiais — deu para muita gente a segurança de que aquela noite também seria lembrada visualmente, sim.

Shows sem celular: um modelo a ser seguido?

O Ghost não é a única banda que já adotou esse formato. Bob Dylan, Jack White, Placebo e alguns festivais de música eletrônica já implementaram políticas semelhantes, seja com bolsas lacradas ou adesivos cobrindo as câmeras, por exemplo.

Inclusive, escolas ao redor do mundo já usam esse sistema como uma forma de estimular a concentração. Pode até ser que as novas gerações cresçam mais habituadas a esses momentos de atenção total — o que, para muitos de nós, ainda soa como nostalgia dos tempos analógicos.

Mais shows poderiam adotar esse modelo? Com certeza. E não é preciso ter cenografia elaborada, luzes ou teatralidade.

Mas o Ghost acerta ao oferecer essa experiência completa. Para além de ser uma banda muito estimulante ao vivo, faz uma boa cobertura oficial de cada show, algo que alimenta a memória dos fãs e acalma a ansiedade.

Show sem celular - Ghost
Fãs maquiados e fantasiados foram a atração do lado de fora da arena, onde as fotos – claro – são permitidas.

Estamos exagerando no uso de celulares em shows?

Vivemos em um mundo de estímulos constantes. Experiências offline como essa ajudam a reduzir a ansiedade, melhorar o foco e aprofundar conexões.

No show do Ghost, vi pessoas de todas as idades: adolescentes, adultos, famílias com crianças e até idosos fãs de metal. Todo mundo junto. Entregar-se de corpo e alma a um evento, sem distrações digitais, é delicioso para qualquer geração.

Em contrapartida, já vi de tudo em outros shows — e não falo de tirar fotos ou gravar vídeos. Já vi gente do meu lado ou na minha frente jogando Candy Crush, checando redes sociais, respondendo áudios de WhatsApp e até assistindo a jogos de futebol enquanto a banda dava tudo no palco, em um baita show. 

Será que precisamos realmente dividir a nossa atenção com tudo isso nas poucas horas que dura um show?

Conclusão: estar sem celular no show foi uma experiência que valeu a pena!

Estamos conectados a milhares de pessoas diariamente, mas, muitas vezes, nos sentimos sozinhos. Um show como o do Ghost, sem celulares, nos reconecta com o coletivo real, com a arte, com a experiência de estar presente.

Parabéns ao Ghost pela ousadia — e aos fãs de Milão pela entrega. Que essa seja uma inspiração para repensarmos como consumimos — e vivemos — a música ao vivo.

Você já foi a um show sem celular? Você gostaria de ter o seu telefone lacrado em troca de uma experiência mais imersiva? Partilha com a gente o que você acha aqui nos comentários, Red Bird!

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